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Aventuras de Salad Boy na ONU

- Foi mal, mas tenho que ir...

Sempre me senti bem entre os verdes. Quando soube que ambientalistas do mundo todo estariam em Curitiba não tive dúvida. Pedi demissão do jornal onde trabalhava e bati nas portas do Expotrade Pinhais. Queria trabalhar na ONU e, óbvio, estava disposto a começar de baixo. Acabei literalmente entre folhas de alface.


Tudo bem. Eu seria até engraxate se alguém da ONU me contratasse. Meu primeiro dia foi num domingo, antes mesmo da abertura oficial do evento. Pra começar estava bom... Durante três semanas, passei de jornalista promissor a garoto da salada, ou como os gringos me chamavam, Salad Boy.

O Balconista

- Hey! Salad boy! Is there any meat in this? Don´t try to mess with me. I am vegetarian, you know!

O jamaicano era grande e estava irritado. Pensava que o chef do nosso bistrô tinha tirado o presunto de uma das saladas que estavam prontas no mostruário para servi-lo, ao invés de preparar uma nova, full vegetarian, como pediu o cliente.

A boina enorme e colorida, os longos dreads e seus quase dois metros de altura assustavam. Sua cabeça parecia ainda maior do que era, dando um ar assustador ao sujeito enquanto ele reclamava, bastante irritado.

Minha função? Acalmar o cara, reclamar com o chef e tocar o bistrô das saladas do COP8/MOP3, o tal evento ambientalista da ONU.

Mas afinal, que raios foi esse tal de COP/MOP? Tirando quem participou, e alguns poucos interessados, a maior parte do público assistiu de longe, sem compreender a feira da ONU que lotou os hotéis de Curitiba de gringos. Um porteiro comentou comigo que nunca tinha visto coisa igual.

- Nunca vi nada igual. Tá ‘té faltando vaga pros artista do Festival de Teatro.

Trocando em miúdos

A sigla COP significa Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). Este era o evento principal. Já o MOP é uma conferência paralela que trata exclusivamente da certificação de cargas transgênicas para exportação. Ao todo, durante os dois eventos, passaram por Curitiba mais de 5 mil pessoas, vindas de 175 países.

Ambas conferências operam na forma de plenárias gigantes, com assuntos subdivididos em grupos de trabalho. O lugar onde os debates ocorreram parecia surreal. Cortinas de veludo escuro, com mais de 5 metros de altura, estendiam-se até o cão. Centenas de cadeiras, a maioria equipada com microfones para as “partes” debaterem. Em meio a tudo isso, centenas de pessoas com seus aparelhos de tradução simultânea a tiracolo.



Aquilo tudo só me remetia à mente uma idéia: o Senado Galáctico de Star Wars.

Era tanta pompa que teve gente que até esqueceu o que estava em jogo ali: a terra, a água e o ar.

Os ambientalistas tentavam discutir medidas para frear o consumo. Desenvolvimento sustentável, repetiam 90% deles, como um mantra. Mas os capitalistas nem os ouviam. Para as indústrias, o COP é um campo de batalha, onde podem disputar palmo a palmo as suas áreas de influência no globo.

No round de Curitiba, os capitalistas perderam a influência Nova Zelândia (que saiu tachada como a grande vilã da última edição), mas ganharam os corações e mentes da Austrália. Foi um empate técnico. Muita gente saiu frustrada.

- Se fosse por votação nós já tínhamos imposto um monte de dificuldades para estes malditos testes com Sementes Terminator (a última palavra em transgenia), mas como as decisões só podem ser aprovadas por consenso de todas as partes, isso é quase impossível. Sempre tem alguém que passa para o lado negro da força!


Volta pra casa

Para o Brasil, realizar o COP/MOP teve um gostinho de “volta pra casa, outra vez....” Fomos nós, tupiniquins, quem começamos o debate ambiental na ONU. A Convenção Rio-92 foi o embrião para o surgimento da Convenção sobre Diversidade Biológica. Muita gente se reencontrou, 14 anos depois.

- Cara, eu trabalhei, como você, na Rio-92. Aquilo foi um marco pra mim.

O homem, 35 anos, bem apanhado, disse que largou a faculdade de Direito e foi fazer Biologia. Hoje trabalha em Brasília para o Ministério do Meio Ambiente. Estava com crachá verde, de Partes, que equivalia a ser muito V.I.P. Me olhou com cara de pouco sono e disse que tinha mais um monte de coisas pra ler ainda. Mostrou o maço de xérox na mão.

Nos despedimos e ele saiu caminhado.

Em baixo do seu braço ia o texto – ainda sem revisões – que a ministra Marina Silva apresentaria na Plenária da CBD, na abertura do segundo evento dos dois eventos. Era a proposta brasileira que direcionou todos os debates do COP. Que responsa, hein?


Rotina no Bistrô

Uma vez que consegui ficar entre os verdes, comecei a fazer de tudo para acompanhar o evento, ou melhor, os Side Events. Meu único problema era driblar o turno sobre-humano que eu cumpria no bistrô. Assim, qualquer coisa era motivo para minha máquina fotográfica e eu abandonarmos o posto. Chegou mais alface? Deixa que eu recebo!

E lá ia eu fazer o caminho mais longo entre o bistrô e o estacionamento. Sempre dava um jeito de passar nos Side Events – sem dúvida a melhor parte do COP MOP. Era um tal de gente do mundo todo compartilhando experiências e idéias. Povos nativos, indígenas, agentes da ONU e ambientalistas de organizações não-governamentais.

Trabalhar no bistrô teve suas vantagens. Com um crachá de funcionário do Expotrade dava para abrir quase qualquer porta. Era possível passar pelo setor administrativo, seguir à área internacional e até nas instalações onde funcionou o Ministério do Meio Ambiente brasileiro, que tinha uma segurança altíssima.

Tarde quente

No final da MOP, quando deveria se decidir de uma vez por todas se as cargas transgênicas seriam ou não certificadas, o clima na plenária esquentou. Ambientalistas e industriais bateram boca. O movimento era pouco e decidi espiar. Quando entrei na plenária o tumulto estava formado. Subi numa cadeira e disparei flash em cima deles.


Quando voltava para meu posto senti alguém me puxando pelo braço. Era Helena, uma inglesa alta, cabelos loiros quase brancos, que participava representando uma ONG. Ela queria uma cópia das fotos.

Seus amigos achavam que seria possível identificar alguns figurões das indústrias de fertilizantes e insumos agrícolas – palavras bonitas para veneno – nas imagens. Não sei se isso aconteceu, já que perdi contato com Helena, mas espero que sim.

Ponto para o Salad Boy!


Praça da Lamentação

Nem tudo era flores orgânicas no bistrô da salada. Uma crítica de poucas linhas, publicada num eminente jornal local, acabou com o bom humor do dono do bistrô. Dizia a coluna que nossos preços eram abusivos. “Quatro folhas de alface, que a terra dá, e uma fatia de presunto por R$ 15,00?????”.


A crítica repercutiu e na última semana do evento cobrávamos R$ 10,00 pelo mesmo prato.

A verdade é que, uma vez que o evento seria internacional – o local da plenária foi inclusive considerado território da ONU entre 13 e 31 de março, sendo preciso passar pela Polícia Federal para entrar -, os homens de negócios resolveram internacionalizar seus preços. “A COP parece um shopping”, comentou com ironia um professor italiano.

Mas o tiro saiu pela culatra. A parte comercial do evento, que consistia em praça de alimentação e feira aberta ao público, foi a menos procurada. As vendas ficaram abaixo do esperado. A grande maioria dos gringos verdes preferiu usar os serviços de pequenos comerciantes, que aproveitavam o pátio do Expotrade para movimentar feiras paralelas.
A praça da alimentação virou uma verdadeira praça da lamentação.

Sean, o cara!

O canadense Sean Southey chegou a Curitiba com uma missão. Funcionário da ONU, em Nova Iorque, o canadense coordena o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. Em Curitiba, ele ficou responsável pela Iniciativa do Equador, que criou o espaço mais democrático do evento, a Taba Community.


- As diretrizes ambientais do mundo estão sendo construídas lá dentro (na Plenária). Aqui fora (na Taba), nosso papel é resgatar a mágica dos povos nativos e sua sabedoria com a Mãe-Terra.

Na Comunidade Taba, representantes de povos indígenas de países tão distintos como Peru e Rússia trocaram experiências e traçaram estratégias para a Plenária Final. Também havia agricultores familiares e bichos-grilo. Durante o dia, palestras e troca de experiências. À noite, festas e integração social entre políticos, índios e ambientalistas.

Desde que conheci os voluntários da UNDP (United Nations Development Program), era lá que eu queria estar. Eles promoveram – sem qualquer sombra de dúvida – os melhores eventos paralelos (side events) e confraternizações.



Até que Salad Boy marcou pontos novamente.

Duas das minhas fotos foram publicadas no site da United Nations Development Program e nos materiais impressos da Taba Community. Thanks Sean!

O tal do vulgo

Faltou até agora explicar como é que começou esse negócio de Salad Boy. A alcunha pegou rápido. Um pouco porque eu era simpático com todo mundo e um pouco porque eu era intrometido mesmo.

O nick me foi dado por um negro baixinho, gorducho e careca. Foi um dos primeiros a chegar ao Expotrade, antes mesmo da abertura oficial dos dois eventos. Todos os chamavam de Sam. Se vocês acham que eu falo muito ainda não conheceram o Sam...

Conversamos muito, sobre projetos, perspectivas... Foi ele quem me manteve informadpo sobre os debates do MOP, o primeiro dos dois eventos.

Aí surpresa. Já no finalzinho do COP fui descobrir que o tal Sam, aquele tiozinho bom de conversa, era ministro de Meio Ambiente da Namíbia. Quem diria? Tenho certeza que o cargo está em boas mãos.

Foi o próprio Sam quem conduziu algumas das plenárias mais difíceis do COP, as últimas, quando era preciso chegar a definições sobre o que foi discutido. Coube a ele a difícil tarefa de mediar os interesses das grandes indústrias e dos ambientalistas radicais.

Início do FIM

Numa manhã, penúltimo dia de trabalho no bistrô, atendi um francês. Estava exausto, a paciência no limite. Queria um suco energético. Qualquer suco energético, mas de preferência o de açaí com guaraná. Passara a noite anterior inteira em claro, estudando propostas para o documento que seria ratificando na conferência.

Sua irritação vinha das sucessivas derrotas que o grupo dos ambientalistas estava sofrendo na plenária. Diversas decisões consideradas vitais, almejadas por países tão distantes como Brasil, Malásia e Namíbia, caíram por terra diante do lobby das multinacionais.

- Durante três semanas apresentamos uma série de avanços para as diretrizes políticas que regem o meio ambiente... Para quê? Para nada. Pra ver esses caras empurrarem as decisòem com a barriga. Isso está me deixando louco.

As frases saiam de sua boca de um jeito rude, como que vomitadas em inglês. O acento francês era bastante carregado, denunciava uma auto afirmação de identidade, quase uma intolerância ao modo de pensar americano.

Todas as decisões significativas do COP8/MOP3, de fato, ficaram para ser analisadas novamente em 2010, como se o mundo pudesse esperar.

5 Comments:

At 8:13 PM, Blogger Dann Ferreira said...

Demorô Daniel.
me passa sim o código to mto afim de separar as coisas no meu blog.. tem entevista misturada com matéria e fotos tal.. por favor quebra essa pra mim..
vou ficar no aguardo do código.
Valeu

Abraço
Danilo Ferreira
www.o-diariu.blogspot.com

 
At 8:39 PM, Blogger Daniel Caron said...

Tá lá no teu hotmail.

 
At 1:30 PM, Blogger Bianca Pissardo said...

hey !
vi seu blg pelo blog do danilo!

suas fotos sao muito boas !
pretendo fazer meu Tcc um livro de fotojornalismo.


parabéns pelo trabalho.
Bjao
Bia

 
At 6:17 PM, Blogger Daniel Caron said...

Valeu Bia. Boa sorte com o projeto. Se eu puder ajudar, vc já sabe onde me encontrar. Grande abraço!

 
At 9:35 PM, Blogger Dann Ferreira said...

OLÁ DANIEL..
Q BOM Q CONSEGUIU COLOCAR A ENQUETE NO BLOG.. FICOU MASSA.. COLOQUEI O SEU LINK NO MEU TMB.. MINHA AMIGA ENTROU PELO Q EU TO VENDO HEHE... É A INTERAÇÃO DO JORNALISMO ONLINE....
ESTAMOS AÍ.. QUALQUER NOVIDADE.
ABRAÇO

DANILO FERREIRA
(WWW.O-DIARIU.BLOGSPOT.COM)

 

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