[.:LINKS:.] [..PROJETO..]   [..FOTOGRAFIA..]  [..AUDIOVISUAL..]

Projeto Canción

Foi numa noite de inverno que vi o Thiago e a Michele pela última vez. Passaram aqui em casa se despedir. Trouxeram vinho. Sentamos ao redor da mesa e conversamos. Os dois estavam excitados. Partiriam em dois dias para uma viagem de mochilão pela América Latina.


Antes de partirem, dei a eles uma velha lente teleobjetiva para a camara fotográfica e um gnomo da sorte, para protegê-los na jornada.

E Tome América Latina

“Ainda não contei de Córdoba. No momento em que estávamos chegando comentei com o Thiago: "essa cidade tem um ar de Curitiba". Mas a primeira impressão nem sempre fica. Córdoba é Córdoba. Foi lá que tivemos mais sucesso no nosso "empreendimento"... Eu vendi um par de malabares.

O Thiago se deu melhor ainda: estava fazendo suas apresentações nos semáforos, quando foi chamado para ir à uma festa, fazer malabares por umas duas horas por 40 pesos. Eu fui junto, inclusive me apresentei também. Foi bem engraçado. Era uma festa para menores de idade, em uma boate. Uma piazada de 15/16 anos se esforçando para aparentar 20. As meninas superproduzidas, com micro-saias e tops, os meninos de calça larga, boné e cigarro na mão. Músicas horríveis a noite inteira, mas como ainda não nos alimentamos de luz e nem sempre conseguimos carona, a grana é necessária. Ossos do ofício.


Ficamos num hostel cujo dono vivia lá mesmo. Ele dormia nos quartos para seis pessoas, junto com os hóspedes. Trabalhou em outros hostels antes e me disse que eram muito "estilo empresa". Ele não, prefere receber os mochileiros na sua casa, um ambiente informal e aconchegante. A idéia é bem legal, mas o problema é que algumas pessoas passam o dia inteiro dentro do hostel. Não entendo porque viajar para outro país e ficar trancado em um albergue. Havia um computador com internet disponível, mas eu dificilmente conseguia usar, sempre tinha alguém.

Depois de uns dias queríamos encontrar outro lugar para ficar, onde pagássemos menos e tivéssemos mais espaço para ficar tranqüilos. A essa altura, o hostel estava totalmente lotado, sem condições.

Um dia eu e o Thiago nos desencontramos, caminhamos separados pela cidade. Ele viu um cara tocando flauta, tirou uma foto, perguntou quanto custavam as flautas e assim foram conversando.


O nome dele era Kike e fazia uns cinco anos que estava viajando; já pensava em voltar para o Equador, sua terra natal. Ele conseguiu que nós ficássemos na casa que ele alugava. Teríamos que pagar dez pesos diários por pessoa. Mais barato que o albergue. Era um moquifo, não tinha uma panela limpa, mas para ficar só dois dias tudo bem. Na verdade queríamos ter deixado Córdoba na sexta-feira, mas descobrimos que o trem para Buenos Aires só sairia no domingo. Passamos esses dias não planejados na casa de Kike.

A viagem de Córdoba a Buenos Aires de trem foi uma decepção. Pensávamos que iríamos ver lindas paisagens pela janela, como nos filmes. Até poderia ter sido, se a viagem não fosse praticamente toda à noite. Mesmo assim um fato interessante – na saída de Córdoba passamos por "villas", as favelas argentinas. Chegou um dado momento em que tivemos que fechar as janelas do trem, porque as pessoas jogavam pedras.

Última parada: neve!

Bom, de Córdoba fomos para Buenos Aires, depois seguimos pedindo carona em direção ao Chile, com a intenção de parar na parte argentina da Cordilheira dos Andes e conhecer a neve. Fomos parar em Puente del Inca, uma cidadezinha povoada por uma base do exército e comerciantes, que recebem diariamente às várias excursões de turismo que passam pela cidade.

Mas nem todo esse clima turístico, incluindo os preços altos, puderam abalar nossa alegria. Voltamos a ser crianças. Ficamos só dois dias, cercados de lindas paisagens – uma curiosa e singular mistura de vegetação semi-desértica dos Andes e neve, e seguimos rumo a Valparaíso, no Chile.

Ao fim de nossa passagem pela Argentina, apesar de ser difícil colocar toda uma nação em um mesmo saco, poderia definir os argentinos com duas palavras: loucos e apaixonados. Acho que essa rivalidade com os argentinos é porque eles têm uma personalidade muito forte, "personalidade demais", para alguns.

"É que o argentino tem muito amor próprio", me disse Beto, o senhor de Junin. Pode ser. Mas pensando bem, encontrei uma terceira característica para os argentinos: loucos, apaixonados e apaixonantes”.

Textos e Fotos: Michele Torinelli.