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Zuenir Ventura no Mafalda

Autor e personagem se encontram. Zuenir Ventura veio à capital do Paraná em abril, falar de jornalismo e literatura. Acabou reencontrando Genésio Natividade, velho amigo lá dos tempos de Acre, quando Zuenir reunia material para a reportagem sobre o líder dos povos da floresta.

A série O Acre de Chico Mendes, publicada pelo Jornal do Brasil, rendeu ao autor os prêmios Esso de Jornalismo e Vladimir Herzog de Reportagem. Em 2003, a série foi relançada no livro Chico Mendes: crime e castigo, acompanhada de uma releitura do Estado do Acre 15 anos depois da morte do líder seringueiro.

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– Meu Deus como se come aqui!

Foi sincera a exclamação do escritor Zuenir Ventura diante do prato que lhe trouxeram para o jantar. Estava no Café Mafalda, depois de uma palestra para estudantes da UniBrasil. Ieda caprichara no mignon ao molho de mostarda acompanhado de pasta. Parecia excepcionalmente delicioso. A refeição, claro, degustada com um bom vinho tinto. Contava histórias de um outro tempo, histórias de repórter.


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Ávido por notícias do caso Chico Mendes, desembarca em Rio Branco, capital do Acre, o jornalista Zuenir Ventura. Corria o ano de 1989. Como bom repórter que é, queria ação. Estava ansioso para chegar a pequena Xapuri, município 180 km distante da capital e palco da saga do líder seringueiro. Foi aí que conheceu Genésio, o advogado de Chico Mendes. Ele lhe arrumou uma carona. Partiram no dia seguinte, cruzando a estrada de terra que divide a floresta.

– Esse aí era o único advogado em quem Chico Mendes confiava, lembra o escritor.

O paranaense Genésio partiu para o Acre alguns anos depois de se formar em Direito. Tinha alguma experiência com a questão da terra. Defendia principalmente pequenos produtores, assediados por grileiros e empresários do agronegócio.

Quando soube que os seringueiros estavam se organizando e precisavam de alguém para defendê-los, não hesitou em deixar tudo para trás. "Queria muito conhecer a amazônia". Foi assim que ele, um rapazote metido nessa coisa de meio ambiente, conheceu Chico Mendes, o maior líder dos povos da floresta – silenciado por tiros na noite de 22 de dezembro de 1988.

Na pista dos assassinos, fonte e repórter tornaram-se amigos.

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Ao mesmo tempo, na mesa, a conversa corria solta. Depois da palestra que deu ao lado do escritor paranaense Miguel Sanches – os dois falaram a acadêmicos de Letras – , os olhos de Zuenir brlhavam conforme se lembrava do trabalho no Acre. "Sabe, só tenho uma foto daquela época. Eu tomando sorvete na praça, em Xapuri". E volta ao caso.

– Aquilo lá era uma loucura.

Em 1988, numa terra praticamente sem lei – literalmente, já que a Comarca de Xapuri chegou a ficar 12 anos sem juiz, Genésio chegou para defender a causa seringueira. Desafiava os donos de latifúndios, gente que aproveitava a especulação fundiária para avançar floresta adentro.

– Ninguém do Acre aceitava trabalhar pra eles, lembra o advogado (à esquerda na foto abaixo).

“Fui lá cutucar onça de vara curta”, diz com o sorriso característico. O jeito caboclo denuncia a origem simples e interiorana do advogado - hoje secretário do Meio Ambiente de Araucária.

O jornalista chegou depois, enviado pelo Jornal do Brasil. A morte do líder seringueiro ecoou no mundo todo. Até o New York Times deu a história. De repente, Xapurí virou umbigo do mundo.

No jantar, Zuenir lembra como ficou encantado com aquela cidadezinha encravada no meio da floresta. “Meus amigos no Rio de Janeiro tiram sarro quando eu digo isso, mas Xapuri tem um charme único”. E isso dito por alguém viajado. Conversaram sobre o calor e Zuenir lembra da vez em que tinha uma aranha dentro do tênis.

– Tentei vestir. Achei que era o cadarço. Sei lá por que. Só na terceira tentativa vi que tinha alguma coisa errada. Fui olhar dentro e era uma baita caranguejeira. Fiquei apavorado. Morro de medo de aranha. Eu ali, petrificado, mas graças a Deus o neném da casa matou o bicho.

Foi Genésio, o advogado, quem apresentou o jornalista a testemunha chave do caso Chico Mendes: Genésio Ferreira da Silva, o menino que viu tudo.

– Se não contarem direito essa história lá no exterior é bem capaz dos gringos acharem que, no Brasil, para cada Chico há dois Genésios. E olha que coisa interessante, porque antes disso eu nunca tinha conhecido sequer um Genésio. No Acre fui conhecer logo dois de uma vez.

O menino de apenas 13 anos presenciou o crime e, em uma terra onde se morria por pouco, teve coragem suficiente para denunciar os envolvidos e ainda testemunhar no tribunal, diante de todos. O detalhe. O mandante Darly Alves da Silva e o assassino, seu filho Darci, ambos condenados pelo júri, eram os donos da fazenda onde o piá morava.

Zuenir ficou com uma impressão fortíssima do garoto de cabelos oxigenados e poucas palavras.

– Ele dizia apenas o suficiente, não mais que isso.

O envolvimento de Zuenir com o caso Chico Mendes foi tanto que ele chegou a se tornar tutor do adolescente Genésio. Em Xapurí, o adolescente corria risco constante de vida. A Justiça então decidiu transferi-lo para Rio Branco, sob a tutela de um policial militar. “Muito curioso, o sujeito era discípulo de Ghandi”. Logo um plano para matá-lo foi descoberto.

Veio então a idéia de colocar a testemunha sob tutela do jornalista, que prontamente aceitou. Foi assim que o piá de cabelos oxigenados finalmente foi morar na praia, no Rio de Janeiro.


– Esse foi o único ponto em que acho que falhei.

Genésio, o adolescente, nunca superou bem o trauma. Hoje ele é um homem. Já perambulou por todo o país, mas não pára em lugar algum. Apesar do apoio do jornalista, ele não se ajustou depois daquilo.

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Mais descontraído, Zuenir volta a brincar com a coincidência dos nomes da testemunha e advogado. Genésio lembra do susto que levou quando conheceu seu xará. O pensamento volta aos amigos de Acre. Adair Longuini, Raimundo Barros, Gilson Pescador. Júlio Barbosa. “Ah Genésio, o Júlio Barbosa você não faz idéia...”

O barqueiro Júlio Barbosa que levava Zuenir e Genésio pelos rios da Amazônia é agora o prefeito de Xapurí. E está no segundo mandato.

Zuenir sabia tantas novidades porque em outubro de 2003 voltou ao Acre. Buscava um desfecho para a série de reportagens O Acre de Chico Mendes, que seria publicada em livro: Chico Mendes: Crime e Castigo.

8 Comments:

At 4:43 AM, Blogger Augusto Ouriques Lopes said...

Caron, Lendo o texto, me senti na mesa do Mafalda sentado com vocês. Que saudades.

 
At 3:32 PM, Blogger Daniel Caron said...

Valeu Lopes.

 
At 4:39 PM, Blogger Charles said...

Crime e Castigo? Já ouvi falar desse...

 
At 10:02 PM, Blogger Daniel Caron said...

Valeu Charles, mago das fotos!

 
At 1:34 PM, Blogger Charles said...

Muito bacana 'ouvir' esta conversa com o Zanir por tabela. legal mesmo...

 
At 3:38 PM, Anonymous Anônimo said...

Caron, muito boa esta conversa interessante com o Zuenir. Grato pelo link. Valeu!

 
At 5:29 PM, Anonymous Anônimo said...

Muito bom o texto, muito bom o blog, muito bom o papo com Zuenir Ventura. Parabéns aos blogueiros!
Wagner
www.uniblog.com.br/macuco

 
At 9:57 PM, Blogger Daniel Caron said...

Valeu Wagner! Muito bom seu blog também.

 

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